Para explicar a doutrina da
Justificação pela Fé, o apóstolo Paulo usa dois tipos de linguagem na carta: a
do judiciário e a do sistema de sacrifício levítico. Como o apóstolo pretende
convencer o seu público leitor, os judeus, bem como os gentios, de que mais do
que observar o sistema de Lei como requisito para a salvação, Deus havia
manifestado a sua graça justificadora lá no tempo da Antiga Aliança por
intermédio do pai da fé, Abraão, o apóstolo afirma com todas as letras:
"Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a
promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas
também à que é da fé de Abraão, o qual é pai de todos nós. [...] Pelo que isso
lhe foi também imputado como justiça" (Rm 4.16,22). Dessa forma, o
apóstolo argumentava ao judeu de que, mesmo o gentio não tendo a Lei, a
condição do gentio em relação a Deus em nada é inferior ao do judeu. Em Jesus,
pela fé mediante a Graça de Deus, o gentio é filho de Abraão por intermédio da
fé, que é pai tanto do judeu quanto do gentio achado por Deus (Rm 4.9-13).
A linguagem judiciária da
Justificação
Ser justificado por Deus é ser
inocentado por Ele mesmo da condição de culpado pelos atos. Ou seja, o
indivíduo não tem quaisquer condições de se auto- declarar inocente ou de
aliviar a sua consciência, pois sabe que nada poderá apagar a sua culpa. Por
isso, Deus, em Cristo, na cruz do Calvário, nos reconciliou para sempre (2 Co
5.19). De modo que o apóstolo Paulo ratifica esse milagre: "Porque pela
graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus"
(Ef 2.8).
A linguagem sacrifical da
Justificação
Trocar o culpado pelo inocente. O
sangue de Jesus Cristo foi derramado no lugar do sangue da humanidade. Foi a
substituição vicária de Cristo Jesus por nós. Éramos culpados, mas Cristo se
tornou culpado por nós; éramos malditos, Cristo se tornou maldito por nós;
éramos dignos de morte, Cristo morreu em nosso lugar e por nós (Rm 3.25).
A linguagem judiciária e sacrifical da
justificação nos mostra um Deus amoroso e misericordioso, que não faz acepção
de pessoas e que deixa clara a real condição do ser humano, seja ele judeu ou
gentio: somos todos carentes da graça e da misericórdia do Pai.
A JUSTIFICAÇÃO
1. A justificação é um ato divino. A
justificação é uma declaração de Deus, segundo a qual todos os processos da lei
divina são plenamente satisfeitos, por meio da justiça de Cristo, em benefício
do pecador que o recebe como salvador. Justificação significa mudança de
posição espiritual diante de Deus: de condenados para justificados. Esta é a
única maneira do homem ter comunhão com Deus, apresentando-se a Ele sem culpa.
A obra redentora resultante do
sacrifício expiatório, efetuado por Cristo na cruz, propiciou a maior de todas
as dádivas de Deus — a salvação do indigno e miserável pecador.
2. A justificação testificada pela
lei e pelos profetas (v.21). A justificação do pecador, mediante o
sacrifício vicário de Cristo, pode ser percebida por meio de várias profecias
no Antigo Testamento (Is 53.11; 45.22-25; 61.10; Jr 23.6; 33.16; Sl 85.10; Gl
3.7). Em Gênesis 3.21, por exemplo, encontramos uma nítida figura do propósito
divino neste sentido. Deus cobrira graciosamente a nudez de nossos primeiros
pais, Adão e Eva, após terem pecado. Outro exemplo digno de nota é o de Abraão
que foi justificado por Deus somente pela fé (Gn 15.6); fato transcendental que
a Bíblia confirma em Romanos 4.3.
A lei mosaica não tinha a intenção de
alcançar a justiça pelo esforço humano, mas de revelar a justiça de Deus (Rm
8.4; 10.4,10; At 10.39). Os sacrifícios da lei não visavam retirar os pecados,
mas cobri-los temporariamente até que Cristo viesse como o sacrifício perfeito
e substitutivo (Êx 12.1-23; Jo 1.29). As ordenanças, rituais, sacrifícios e
princípios de vida piedosa ensinados no Antigo Testamento, embora divinamente
inspirados, não podiam quitar as “dívidas” da humanidade, e muito menos,
transformar o perdido pecador num justo.
A JUSTIÇA
DE DEUS
1. A justiça de Deus na dispensação
da graça. A expressão “justiça de Deus”, na Epístola aos Romanos (1.17; 3.21,22) e
em outras passagens, refere-se ao tipo de justiça que o Senhor aceita para que
o homem tenha comunhão com Ele. Essa justiça resulta da nossa fé em Cristo
segundo o evangelho. Em outras palavras, a justiça é o próprio Cristo (1Co
1.30; 2Co 5.21; Fp 3.9).
Por ter sido um ardoroso representante
do legalismo, Paulo não cessava de enaltecer a manifestação da justiça divina
em sua vida (Fp 3.4-6). Não perdia a chance de enfatizar que é impossível ao homem
justificar-se diante de Deus através de suas próprias obras (Fp 3.9; Gn 2.16;
Tt 3.5).
2. A justiça de Deus pela fé. Na Epístola aos Romanos, capítulos 3 e 4, Paulo ensina que não há outro
meio pelo qual o homem alcance a salvação senão pela fé em Cristo. Por sua vez,
o escritor aos Hebreus, no capítulo 11 de sua epístola, mostra que somente pela
fé o crente será vitorioso em todos os sentidos.
Este mesmo princípio é encontrado em
Romanos 4.5, onde a Bíblia declara que quem “não pratica (boas obras), porém
crê nAquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça”.
III. CARACTERÍSTICAS DA JUSTIFICAÇÃO
DIVINA
1. A justiça divina alcança a todos. Assim como o
pecado tornou-se universal, a justificação destina-se a todos quantos queiram
ser salvos (Tt 2.11). A expressão “para que todo aquele que nele crê não
pereça” (Jo 3.16) abrange a todos, indistintamente.
Todos os que se arrependem de seus
pecados e crêem em Jesus como Salvador não perecerão, mas terão a vida eterna.
E é tudo pela graça de Deus, conforme está escrito: “Onde abundou o pecado,
superabundou a graça” (Rm 5.20). Esta “multiforme graça” alcança de igual modo
todas as pessoas de todas as raças, culturas, níveis sociais, idades e
circunstâncias (Jo 6.37). Ninguém é bom o suficiente para se salvar, como
também não é tão mau que não possa ser salvo por Jesus.
2. A justiça de Deus é concedida
gratuitamente mediante a graça. Desde que Adão e Eva pecaram contra o
Senhor, a lei não tem feito outra coisa senão revelar a culpa universal do ser
humano e a justiça do Todo-Poderoso. A graça que procede do amor do Pai reina
por meio da justiça, como afirma Romanos 5.21.
É mediante o sacrifício de Cristo sobre
a cruz, como perfeito substituto do culpado, que Deus justifica o pecador,
quando, arrependido, crê em seu Filho para a salvação (Gn 3.13; 1 Pe 2.24; Rm
10.10). Esta é a maior demonstração da justiça divina. O Altíssimo continua
sendo justo mesmo justificando um pecador (Rm 3.26).
3. É propiciada por Cristo (v.25). “Ao qual
Deus propôs para propiciação no seu sangue”. Propor significa “apresentar
perante todos”, ou seja, o Pai constituiu o Filho, feito homem perante o mundo,
como Salvador da humanidade (Jo 1.14; Mt 1.20-23; Gl 4.4,5).
“Propiciação” (v.25) é Cristo morrendo
em lugar dos perdidos a fim de salvá-los. É a remoção da ira divina por meio de
uma oferta, de uma dádiva.
O Tabernáculo com seus objetos,
sacrifícios e sacerdócio prefigurou como sombra, entre outros elementos da
salvação, a propiciação. Onde há sombra há realidade (Cl 2.16,17; Hb 10.1).
Examine também: Sl 32.2; Mt 20.28; Jo 1.29; Rm 4.7,8; 1Co 15.3; 2Co 5.19,2; 1Jo
2.2; 4.10. Propiciação é uma referência ao propiciatório. Este encontrava-se no
Lugar Santíssimo do Tabernáculo onde o sumo sacerdote entrava apenas uma vez
por ano, no Dia da Expiação, para sacrificar em favor do povo. Ali, ele
aspergia o sangue expiador do sacrifício como símbolo da quitação ou remissão
correspondente ao castigo de seus pecados e dos pecados do povo.
Jesus é o verdadeiro Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo (Is 53; Jo 1.29; Lc 23.46; Gl 4.4,5). Foi Deus que
estabeleceu todas as coisas concernentes a Jesus, a fim de salvar-nos (At 2.23).
Expiação tem a ver com o pecado; propiciação, com a atitude de Deus para com o
pecador arrependido; e redenção, com a pessoa do pecador. Tudo efetuado por
Deus em Cristo (1Tm 2.6; 1Pe 1.18,19; At 20.28).
4. É outorgada por Deus. A justificação do pecador perante Deus procede da sua graça (Rm 3.24) .
Ela foi efetuada e é garantida pelo sangue de Jesus, como sua base (Rm 5.9). É
obtida através da nossa fé em Cristo (Rm 3.28); a fé sem as obras humanas é o
meio estipulado por Deus para nossa justificação (Gl 2.16). A ressurreição de
Cristo é a garantia da perenidade de nossa justificação (Rm 4.25). Se alguém
deseja ser justificado e sair da lista dos que estão sob a ira de Deus, deve
crer em Cristo (Rm 1.16,17; 3.3,21,22). O único requisito estabelecido por Deus
para que o pecador seja justificado é que venha a Cristo pela fé, aceitando-o
como seu único Salvador.
A MENSAGEM PROVENIENTE DA CRUZ DE
CRISTO
1. Salvação sem vanglória e méritos
humanos. Visto que a nossa salvação consiste somente na obra redentora de Cristo consumada na cruz, o homem não tem motivo
algum para se vangloriar porque “nenhum outro nome há, dado entre os homens,
pelo qual devamos ser salvos”, a não ser o nome de Jesus (At 4.12).
2. Salvação oferecida a todos. A preservação da vida de Raabe e sua família (Hb 11.31); a bênção sobre
a vida de Rute (Rt 4.13-22); e a cura de Naamã (2 Rs 5.1-14), são apenas alguns
exemplos de que Deus é Senhor e abençoador de todos. Ele quer salvar a todos
(Tt 2.11; Mt 11.28; Jo 6.37; Ef 4.6). O profeta Jonas testificou que Deus é
misericordioso para aceitar a qualquer um que se arrependa de seus pecados (Jn
4.2). O Evangelho de João 1.12 confirma este propósito de Deus: salvar a todos
(Jo 1.12). Jesus também o declarou (Jo 3.17; 5.24). Infelizmente, muitos são os
que rejeitam o convite da graça de Deus e acabam por desprezar a Cristo,
acarretando sobre si a ira divina.
CONCLUSÃO
O castigo divino pelo pecado não
poderia ser protelado indefinidamente. A justiça divina concernente aos delitos
do homem deveria ser satisfeita. Assim, Cristo veio e satisfez em definitivo
nossa dívida no Calvário, tornando-nos, a todos os que cremos nEle,
justificados perante Deus.
Subsídio Teológico
“A Justificação
Assim como a regeneração leva a efeito
uma mudança em nossa natureza, a justificação modifica a nossa situação diante
de Deus. O termo ‘justificação’ refere-se ao ato mediante o qual, com base na
obra infinitamente justa e satisfatória de Cristo na cruz, Deus declara os
pecadores condenados livres de toda a culpa do pecado e de suas conseqüências
eternas, declarando-os plenamente justos aos seus olhos. O Deus que detesta ‘o
que justifica o ímpio’ (Pv 17.15) mantém sua própria justiça ao justificá-lo,
porque Cristo já pagou a penalidade integral do pecado (Rm 3.21-26).
Constatamos, portanto, diante de Deus como plenamente absolvidos.
Para descrever a ação de Deus ao
justificar-nos, os termos empregados pelo Antigo Testamento (heb. tsaddiq: Êx
23.7; Dt 25.1; 1Rs 8.32; Pv 17.15) e pelo Novo Testamento (gr. dikaio: Mt
12.37; Rm 3.20; 8.33,34) sugerem um contexto judicial e forense. Não devemos,
no entanto, considerá-la uma ficção jurídica, como se estivéssemos justos sem,
contudo, sê-lo. Por estarmos nEle (Ef 1.4,7,11), Jesus Cristo tornou-se a nossa
justiça (1Co 1.30). Deus credita ou contabiliza (gr. logizomai) sua justiça em
nosso favor. Ela é imputada a nós.
Em Romanos 4, Paulo cita dois exemplos
do Antigo Testamento como argumento em favor da justiça imputada. A respeito de
Abraão, diz que ‘creu ele no Senhor, e foi-lhe imputado [heb. chashav] isto por
justiça’ (Gn 15.6). Isto ocorreu antes de Abraão ter obedecido a Deus no
tocante a circuncisão, sinal da aliança. De modo talvez ainda mais dramático,
Paulo cita Salmos 32.2, no qual Davi pronuncia uma bênção sobre ‘o homem a quem
o Senhor não imputa maldade’ (Rm 4.8; 2Co 5.19) [...]” (PECOTA, Daniel B. A
obra salvífica de Cristo. In HORTON, S. M. Teologia Sistemática. RJ: CPAD,
1996, p.372).
Fonte:http://valorizeaebd.blogspot.com.br
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